domingo, 11 de maio de 2008

Preciso de aulas de mergulho para não me afogar nesse mar de letras.

Um livro afogava-se debaixo da ponte. Joguei-lhe uma corda e um fio de fumaça a agarrou, quando enfim o puxei, antes que meus dedos o tocassem vi que a fumaça era na verdade letras de todos os tamanhos e formas tão bem encaixadas que ganhavam vida e um estanho ser de letras sorriu malicioso para mim: faça um pedido e ele será seu. Desconfiei mas não me surpreendi, há muito que aceitei a mistica das letras. Fechei meus olhos e li um pensamento cruzando por dentro deles. Abri-os e num fôlego só e o assoprei: Uma companhia que ame a sonoridade das letras, pronunciadas ou não, um bom amigo dos livros que os tenha como eternos. Mas que não tenha ciúmes. Que os abramos e ouçamos suas estórias, na voz de cada um de nós sob uma sombra frondosa, debaixo das estrelas, junto com a brisa e o perfume das flores da beira do rio ou ao som das ondas no encontro com a areia. Que telefone no meio da noite por conta de um poema. Que falemos muito de suas vidas e quem sabe participemos do nascimento de um deles...
O homem de letras criou pés só para pô-los no chão e pontos miúdos caíram de seus lábios enquanto gargalhava, interrompendo-me do devaneio, depois os aspirou com cuidado e com grandes olhos de exclamação zombou: porque não deseja, como todo mundo, a alma gêmea em forma de homem perfeito? E isso existe?! Ainda assim seria mais fácil encontrar que a companhia, de homem ou mulher, que me descreveu. O que desejo é muito mais simples que a perfeição. Se seu desejo é simples, porque você não o cria?
Irritei-me com ele e joguei o livro para dentro de minha mochila, ele ainda teve tempo de esticar uma grande língua de letras antes de sumir. Se não fosse sua casa o livro, o teria deixado se afogar...
Mas o desejo havia nascido em mim e não mais me abandonou. Semanas depois sentei em frente à tela, abri páginas em branco, tomei muito café e cheirei flores, mas as letras não vieram. Ao menos as minhas; criadoras. Vieram as outras, desafiadoras, transformadas em homem pássaro, saídas de minha mochila com o riso que eu já conhecia: Acredita que a vida existe pela lógica e a perfeição?!
E ele riu tanto que pontos e letras saíram de sua boca e caíram sobre meus papéis brancos e a tela vazia. Tudo se encheu de letra em meu quarto e em minha mente, milhares delas enchendo minha vida. Crie-as! - ele disse antes de dissipar-se.
Desde então venho reunindo suas letras na ânsia de compreender o que ele tentara me ensinar e com um fio de esperança de que se o fizer, o desejo que o homem-letra fez brotar em mim, em fim, se configure.
E claro, ando desviando as águas para não correr o risco de deparar-me com outro náufrago, seria demais para minha pequena existência, ao menos, até eu aprender a nadar neste mar de letras...


Por Adri.n quase precisando de salva-vidas...

4 comentários:

Anônimo disse...

Sabe de uma coisa? Gostei muito deste texto! Parabéns!
Abraço da Fatima.

Anônimo disse...

Olá...
Também estou tentando aprender a nadar nesse mar de letras. hehe.

Gostei do seu blog. Cheio de textos bacanas. Parabéns.

Adri.n disse...

Obrigada pela visita, e elogios é sempre uma delicia, hehe. mas fiquem a vontade com os tomates também (preciso deles...), por favor. E eu ficaria muito feliz com sugestões sobre quais textos devo escolher...

Beijos radiantes,
Abraços saltitantes...

Adri.n

Anônimo disse...

Escolher textos para que fim?
Este já se auto-escolheu como um dos melhores que vc escreveu. Seu estilo é inconfundível, sempre personificando as letras e livros e desejos, de modo que, ao leomos, podemos construí-los do modo que quisermos, sem culpa de entender por alfinete o que deveria ser maçã.
Se a dor é companheira de bons escritores, sinto dizer que ela jamais te deixará... Déborah