sexta-feira, 21 de março de 2008

Olhos de falcão



Por traz de pilhas de papéis, sentado em sua cadeira de couro, o falcão olhava para as grades da janela o pequeno pedaço do céu que se apresentava aos seus olhos. Ele nascera para voar na imensidão azul, o céu o pertencia. Mas ele não sabia disso. Fora criado atrás de grades entre pilhas de papéis e objetos de todos os tipos e tamanhos. Olhar o céu o angustiava, mas ele não sabia mais por que. Tentara trancar a janela, mas sua angustia aumentava quando não o via. Distraia-se olhando os que passavam. Um jovem de longos cabelos que andava a toda hora ou em hora nenhuma, invejava-o, mas não sabia:
- coisa radícula essa juba. – reclamava, sua simples visão o angustiava.
Havia a jovem sorridente que sempre estava com a casa cheia de amigos. Inveja-a, mas não entendia:
- bando de desocupados que não tem mais o que fazer. - surrava o falcão para as paredes.
O filho fora subir um penhasco invejava-o mais do que a todos, mas não reconhecia:
- esta procurando a morte, ou quer ficar em uma cadeira de rodas? – gritara para o filho quando este o deu as costas e partiu para a aventura.
O irmão andava de roupas rotas e chinelo de dedo, invejava-o, mas não admitia:
- é preciso adquirir coisas e cuidar delas. – não cansava de repetir para o irmão sempre que este vinha vê-lo.
O falcão nasceu para ser o senhor do céu, mas ensinaram-no desde cedo a gerenciar papéis e acumular coisas e ele nunca soube que seus olhos aguçados eram feitos para ver longe. No seu intimo mais profundo ele o sentia, mas não compreendia. Roubaram-lhe o seu destino. Ele nascera para os vôos mais profundos, para a mais alta das alturas, mas nunca soube e nunca saberia. Pois ainda que lhe cortassem as grades das janelas ele já se perdera em meio a todos os seus papéis e coisas acumuladas.

(rascunhado) por Adri.n

4 comentários:

ítalo puccini disse...

sua escrita é sensível. parabéns! bom de ler.

aquele Saramago é "A caverna" :)

obrigado pelas belas palavras no blog. é um mistério esse nosso viver ^^

bj,
Í.ta**

Adri.n disse...

Obrigada e obrigada, pelo elogio e por sauva-me do desepero quanto ao nome do livro...

Anônimo disse...

Este conto não precisa de mais nada. Está terminado. Está òtimo do jeito que está. Só precisa acertar alguns acentos e pontuação. À propósito: haverá qualquer tipo de coincidência entre o destino do falcão e o da maioria dos homens? Ou qualquer semelhança terá sido mera coincidência? Não podemos esquecer que "Abissum abissus invocat". Déborah Amorim

Adri.n disse...

Na verdade acho que descrevi meu pai, mas pode se ver tantos outros também...