Em meios às fendas da terra seca, distante das grandes construções de concreto e do movimento constante das máquinas e quando não havia luta por comida ou armas; crianças, jovens e adultos reuniam-se ao redor do velho que não podia morrer, para alimentarem a alma com suas história, de um mundo que se perdera para sempre. Do qual só restara ele, ferido e contaminado pelo vírus da imortalidade, guardião da história para o resto da eternidade no que restara do mundo.
Quando os que nunca se cansavam de ouvi-lo se reuniam ao seu redor, ele fechava os olhos e recordava o que era viver:
Do cheiro das manhãs de primavera, de folhas verdes e macias, saborosas de serem tocadas e, também, mastigadas e de como o verde se enchia de cor e formas de todos os tipos imagináveis, ou não, deixando o ar com um cheiro delicioso e encantador.
De seres minúsculos que se moviam ao seu redor, de todas as cores e formatos, e dos grandes seres também igualmente diferentes em cores e formas, alguns encantadores, outros assustadores, inofensivos ou perigosos, de muitas pernas ou com nenhuma. De como não se tinham maquinas para fazer tudo, mas se tinha de tudo enquanto agora só se tinha elas.
De como era simples matar a cede.
Das partículas brancas nascendo na copa das árvores das serras, subindo ao céu com grande velocidade até se encontrarem com massas gigantescas e brancas, tão concretas aos olhos, mas incapazes de serem tocas, que caiam do céu sem cor, matavam a sede e molhavam tudo ao seu redor. E do encontro destas com a grande estrela, que formava arcos multicores no céu.
E como era difícil fazer as crianças entender o que significava mergulhar. Elas ouviam fascinadas, de olho fechado ou decifrando os desenhos do velho, tentando imaginar como era sentir a grama em suas solas e palmas ou o sabor de uma fruta colhida do pé. Um mundo irreal, fantástico, contos mágicos que elas nunca viveriam.
O velho chorava por elas, mas principalmente chorava por não ter se perdido junto com o que fora destruído. Seu peito se abria a cada vez que recontava suas histórias, mas se não as fazia sentia lhe faltar o ar e ainda assim não morria.
Um dia comentou com um grupo delas que as crianças daquele tempo gostavam de historia sobre lugares como o mundo em que viviam: com maquina fantásticas e de todas as formas e tamanhos, e cidades cinzentas e de histórias de guerras. E que os adultos não davam importância à grama, aos pequenos seres, ao frescor... Por vezes a tudo ignoravam ou optavam por viver em grandes construções e ansiavam por criarem máquinas como as quais eles tinham agora.
E até o menor deles enfureceu-se com o velho, protestando que não precisavam de pena, de serem consolados por nascerem no tempo errado e que ninguém acreditaria em algo tão absurdo.
2 comentários:
Muito interessante! Me lembra o Admirável mundo novo, de Aldous Huxley (lembra-se dele? Talvez nem o conheça...). Às vezes esqueço da sua juventude devido a profunda coragem que demonstra perante a vida e seus percalços; e devido à (diante de pronomes possessivos a crase é opcional) sua maturidade em certos momentos em que eu , talvez, chutaria o balde e o pau da barraca... Bem, eu gostei. Leia Huxley.
ai meu Deus, mais um livro para ler com urgencia, preciso de mais horas para meu dia...
Quem já nao ouviu falar desse livro? mas nunca li. E nossa fico lisgongeada com todas essas comparações de meus rasculhos com obras de verdade...
ás vezes também me sinto velha demais e me obrigo o ser um pouco inconcequente, mas nunca dura... : P
te adoro (não pelos elogios, mas por seu conhecimento)!
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